sexta-feira, 20 de maio de 2016

CRÔNICA DA SEMANA_20_05_2016_THO HG

Somos interinos. Somos Brasil!   

Por Haroldo Gomes 

A fome funciona como relógio biológico que, quando os ponteiros se cruzam de meio-dia em diante, reforçado pelo ronco da barriga, anuncia que temos que ir para casa o mais rápido possível forrá-la. Hoje, por exemplo, cheguei mais tarde que o habitual. Ao abrir a porta, imaginei-me só de toalha entrando numa sauna. Devaneios de um caboclo com fome. De bate pronto, entes mesmo de trocar de roupa, resolvi ligar a tevê. Passava o Jornal Hoje.
Por alguns instantes pensei que fosse reprise do dia anterior; mas não. As mesmas coisas, os mesmos fatos, sendo repercutidos com exaustão, contribuindo para aumentar ainda mais a ferida aberta pela dor e a revolta, face às crises em que o país está assentado.
E o telejornal segue debatendo mais uma condenação de alguns mensaleiros petistas, entre eles, o Zé Dirceu. E por falar em PT, nos livramos – mesmo que de forma momentânea - de Dilma, do discurso de que foi vítima do impeachment orquestrado pelos golpistas, da inocência plena, de que não praticou crime algum. Mesmo afastada por até 180 dias, goza das prerrogativas como salário, assessoria jurídica, viagens etc., enquanto isso, fala-se de economia e corte de gastos. E a gastança promovida por Dilma e Cunha, quem as pagará?
Já passava das 13 horas, a fome aumentando e mesmo assim, eu ali, sentado, revendo o mesmo filme, impávido. Então, Sandra Annenberg anuncia os assuntos do bloco seguinte. Já quase no fim. Então, resolvi esperar mais um pouco.
Na volta, após o intervalo comercial: o rombo da dívida pública é muito maior do que fora anunciado anteriormente, afirma a nova equipe econômica. E o que isso tem a ver conosco? – Perguntou a esposa, lá da cozinha. E eu respondi, digamos que tudo.
E tem más notícias para a saúde do nosso bolso. O que pode reduzir ainda mais o nosso poder de compra. Isso significa que nas próximas idas ao supermercado o uso do carrinho será desnecessário. E que para pagar as contas da dívida pública e equilibrar a arrecadação, segundo essa mesma equipe econômica, o jeito é trazer de volta a tal CPMF, o imposto do cheque e outras medidas que a fome bloqueou o entendimento.
Uma coisa não muda: eles erram, roubam, usurpam as estatais, e no fim, quem paga a conta somos nós.
Não aguentando mais a fome. Com o término do jornal. Encaminhei-me na direção da cozinha. Em seguida, tentei relaxar, me debruçando nos braços de Morfeu. Mas o calor insuportável não deixava. No vai e vem da baladeira, as notícias ruins seguiam me perturbando o sossego.  
Não estamos em estado de sítio, muito menos em mudança de regime, porém, sem grudar os olhos, lembrei que o “país do jeitinho” vive seu ápice em meio a um tremendo frenesi: o presidente é interino; o sucessor também. Fanfarrão, é considerado, agora, presidente decorativo, uma vez que não usufrui do respeito de seus pares no Congresso Nacional. Esse cenário define muito bem o que estamos vivendo e o momento por que passamos.
Já que o vizinho ligou o som com aquele tecnobrega bacana, às alturas. O sono se foi de uma vez. E a tarde seguiu seu curso. Só não sei se à noite terei coragem, outra vez, de apertar o botão do controle remoto. O que não impedirá que mais lambanças ocorram em Brasília. Que país é esse?

sexta-feira, 6 de maio de 2016

CRÔNICA DA SEMANA_06_05_2016_THO HG

O melhor do Brasil é o brasileiro?  

O título é seguido de interrogação por uma singela dúvida: o que fazem os mais de 11 milhões de brasileiros desempregados neste momento? Aí veio a necessidade de fazer outra pergunta, diante do quadro tão deprimente, o melhor do Brasil ainda é mesmo o brasileiro?
São 22 milhões de mãos paradas, sem fazerem nada. Sem dinheiro não há consumo, sem consumo a roda da economia não gira, e se ela não girar, perde o grande, perde o pequeno. Perdem todos! O mergulho profundo na recessão e à crise econômica reduziram a quase zero 11 milhões de pessoas com vontade de trabalhar, que precisam urgentemente produzir e conseguir renda para se manter, manter suas famílias, as contas em dia. Mas tá difícil, a luz no fim do túnel está longe do alcance dos olhos.  
Os noticiários diariamente revelam rostos desfigurados, desesperados, todos os dias, nas filas dos órgãos que lidam com o emprego. As cenas emblemáticas nos remetem ao conceito que diz que o trabalho é que dignifica o homem. E sem trabalho o homem representa o que para a sociedade?
Na outra ponta da situação reside um discurso político feito sobre medida, nem sempre oportuno, de apontar culpados. A exemplo do que estamos vendo e ouvindo há cerca de um ano, na mídia. Se tudo vai bem ou aparentemente, “o governo é meu”, é propagado em primeira pessoa; do contrário, “a crise é nossa”, “o problema é de todos”.
Não tem volta o tiro disparado e a palavra proferida. Assim sendo, quando a barriga alardeia a fome, qual o sentimento de um trabalhador, de um pai de família, desempregado ao assistir aos jornais que o país está em crise, e mesmo assim, o que ele vê é corrupção para todo lado e desvios de dinheiro, muito dinheiro dos cofres públicos? Ele e os mais de onze milhões sem poderem fazer nada, morrendo à míngua, com forme, sem saúde, sem segurança, sem... Em resumo, só com a esperança de que isso tudo passe e o cenário e a realidade mudem.
Não adianta lamentar o leite derramado. Em casos assim, é melhor cuidar do que ainda restou e colocar a chaleira de volta ao fogo. Se tem um lugar onde milagres não ocorrem, esse lugar é na economia. Se há milagres, ele é operado pelas mãos dos trabalhadores e trabalhadoras que transformam a matéria prima em produtos para serem consumidos, exportados...
No meio disso tudo reside um sentimento unânime: para que o que está ruim não piore ainda mais. A banana tá cara? É a comida que restou? Dê-se por satisfeito! Pois se olharmos para trás veremos outras pessoas em situação desesperadora juntando e comendo as cascas de banana que foram jogadas. Afinal, quem tem fome tem pressa! 
SIM! O exército de brasileiros desempregados tem fome. Fome não só de encher a barriga, como também de justiça e de emprego, de tirar o nome da lista de inadimplência, de recuperar a dignidade que os corruptos usurparam não só dos trabalhadores, mas do país, que como caranguejo depois de caminhar para frente, agora, caminha para trás.