quarta-feira, 26 de abril de 2017

CRÔNICA_DA_SEMANA_26_04_2017

A viralização da violência

Embora as autoridades de Segurança Pública não admitam, estamos em meio a uma guerra urbana sem precedentes que faz vitimas a esmo, e se existe uma palavra que pode resumir a nossa sensação nesse momento crítico, ela se chama SOBRESSALTO. Estamos sendo mutilados literalmente pela violência – física ou psicológica - desenfreada que não poupa ninguém. Nos últimos tempos tenho renunciado apertar o botão do controle remoto da TV, pois quando aperto me vem a sensação de que é repetição do programa anterior (vale a pena ver de novo?).
Os mesmos fatos têm pautado os noticiários com frequência, claro, com novos desdobramentos. Corrupção, delações premiadas, escândalos políticos, milhões para lá, bilhões para cá, e algo em comum de ambas as partes. Da nossa: de que não vai dar em nada e com o passar do tempo vai cair no esquecimento como tantos outros casos. Da outra: o sentimento de impunidade velado, tanto que nada tem sido capaz de inibir a prática e os crimes continuam cada vez mais e mais sofisticados.
Quando não são as peripécias dos políticos é a violência extremada que atingiu os mais elevados patamares. Já não podemos mais ficar em frente de nossa casa, ir à esquina comprar algo, ou passear em praça pública que somos vítimas em potencial da bandidagem. E se não tivermos nada para pagar o pedágio a repressão é maior e mais violenta. Por conta disso, o que ouvimos, vemos e lemos nos jornais todos os dias é o derramamento de sangue. Assassinatos, mortes violentas que não poupam nem os militares. Execuções, assaltos com reféns, chacinas, mortes, mortes e mais mortes...  
A violência hoje em dia tem público cativo, dá audiência, têm programas especializados em horário nobre, cadernos etc. e no meio disso tudo tem sempre alguém quer saber de tudo, dos bastidores, detalhes, e se possível até investigar. Todo esse espetáculo da vida real é proporcionado pelas plataformas digitais disponíveis, como as redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas. Mesmo que não queiramos saber, somos tentados por membros de grupos dos quais fazemos parte que fazem circular informações dessa natureza em tempo real. E quando aquela musiquinha toca ou o aparelho vibra é a informação de que chegaram mensagens novas. Difícil não abrir, e, assim, ao entrarmos em contato com elas também fazemos parte da midiatização.  
Com a banalização da violência e a ânsia de dar um furo (como um foca em início de carreira) de midiatizar a informação e com a febre das selfs é comum presenciarmos pessoas mais preocupadas em registrar e divulgar o fato a ajudar a pessoa tombada ao chão. É uma teia, todos querem ser o primeiro a divulgar e os demais querem ser informados sobre a novidade e poder comentar.

Quanto à violência, os homicídios e à insegurança no empurra-empurra de competências nos resta a condição de protagonista como na canção “E agora, José”? Já que não temos para onde fugir, o jeito é cumprir a sentença condenatória que nos imputou prisão domiciliar; mesmo sem termos cometido crime algum. Usufruir o direito, até então sagrado, de ir e vir se tornou uma regalia. Em casa não estamos imunes, paliativamente menos expostos. Até quando? 

terça-feira, 18 de abril de 2017

CRÔNICA_DA_SEMANA_18_04_2017_THO HAGAGÊ

Cada buraco no seu quadrado


Aqui na Amazônia as estações climáticas se dividem em duas: uma que chove mais e a outra que chove menos, sendo que praticamente todo dia chove o dia quase todo, a qualquer hora. Fenômenos da natureza têm dessas coisas que pouco podemos fazer ou contestar. Ela despenca do céu à vontade como as águas que jorram das mangueiras dos carros pipas durante operações anti-incêndios.
Depois que o céu para de chorar é possível perceber os impactos, principalmente nas cidades, expondo facilmente as fragilidades estruturais como sistemas de esgoto, pavimentação asfáltica e drenagem. Mas são nas vias que surgem os personagens indesejáveis para muitos e adorado por poucos que sabem tirar proveito dos buracos.
Na cidadela Esquecida tem uma rua chamada Lamentos, que cruza a cidade de uma ponta a outra, e bem no meio, próximo à esquina com a passagem Descaso tem um cemitério, e na frente reside um buraco muito resiliente. É bem verdade que ele é um pouco a mais que os outros infindáveis numericamente existentes. O pessoal da prefeitura até entope, paliativamente, mas toda vez que chove e com o intenso vai e vem de veículos ele é aberto.
- Eu adoro ficar assim: aberto, tomando banho de sol durante o dia, e ainda posso tirar sarro do meu amigo buraco Cova, que fica ali, do lado de dentro. Só vê o movimento de pessoas quando tem enterro ou no Dia de Finados, quando lhe dão muito trabalho. Comigo não, a coisa é diferente. Quem dá trabalho sou eu!
- Bom dia, amigo Buraco Rua.
- Bom dia, doutor Cova.
- Aliás, por que doutor?
- Porque você é muito formal. Até para serem enterrados em você tem ritual. Engraçado, não faz tanto tempo que você foi entupido, e já está na ativa. Apesar de tudo, eu quero mesmo é falar sobre nossos trabalhos, importâncias e contribuições sociais.
- Verdade, amigo Rua. Sabes de uma coisa, eu estou convencido de que sou o mais importante para a sociedade, de que meu trabalho é que contribui incisivamente para o bem-estar das pessoas.
- O que fez você pensar assim?
- Pensa bem, com exceção das pessoas que são cremadas, que, aliás, são poucas, as demais são enterradas em mim. Eu fico ali parado, assistindo as pessoas se despedindo de quem morreu e logo em seguida sou fechado, claro, por pouco tempo, é bem verdade. Como tem morrido gente nos últimos tempos. Parece até que estamos em guerra. É um abre e fecha danado. Além disso, quem se deita em mim, fica em paz, descansa. Mas me conta, e você?
- Descordo plenamente da sua opinião. Quem é mais importante sou eu. Eu até promovo a riqueza de quem se especializou em cuidar de mim nas cidades e até no campo, em alguns casos, ainda lhe ajudo, Cova. Pois como sou a maioria nas ruas e estradas desse país, muitos até tentam desviar de mim, mas acabam se acidentando e indo parar dentro de você. Se os governantes cuidam para que eu fique mais tempo aberto é porque sou importante.
- Muita presunção de sua parte. Sei que existem muitos outros irmãos buracos importantes nesse país e que fazem sua parte com grande primor. Veja por exemplo o imenso buraco abertos na dívida pública!
- Estás enganado. As pessoas e fatos importantes dão IBOP, são falados, comentados pela opinião pública e na imprensa, ou não tens assistido aos telejornais? Não faz muitos dias que fui matéria até no Fantástico. Quase que peço uma música.
- Está chegando mais uma pessoa para ser enterrada. Agora tenho que ir cumprir minha missão. Depois nos falamos. 
Agora eu vou tomar meu banho de sol, afinal, daqui a pouco vem a chuva e eu vou ficar cheio d’água ou submerso. Se bem que assim é melhor, ninguém me vê e não poderá desviar. Como é bom ser buraco no Brasil. Quando eu crescer e me tornar presidente vou colocar como slogan de meu governo: “O futuro começa aqui”!

Por Haroldo Gomes