quarta-feira, 26 de abril de 2017

CRÔNICA_DA_SEMANA_26_04_2017

A viralização da violência

Embora as autoridades de Segurança Pública não admitam, estamos em meio a uma guerra urbana sem precedentes que faz vitimas a esmo, e se existe uma palavra que pode resumir a nossa sensação nesse momento crítico, ela se chama SOBRESSALTO. Estamos sendo mutilados literalmente pela violência – física ou psicológica - desenfreada que não poupa ninguém. Nos últimos tempos tenho renunciado apertar o botão do controle remoto da TV, pois quando aperto me vem a sensação de que é repetição do programa anterior (vale a pena ver de novo?).
Os mesmos fatos têm pautado os noticiários com frequência, claro, com novos desdobramentos. Corrupção, delações premiadas, escândalos políticos, milhões para lá, bilhões para cá, e algo em comum de ambas as partes. Da nossa: de que não vai dar em nada e com o passar do tempo vai cair no esquecimento como tantos outros casos. Da outra: o sentimento de impunidade velado, tanto que nada tem sido capaz de inibir a prática e os crimes continuam cada vez mais e mais sofisticados.
Quando não são as peripécias dos políticos é a violência extremada que atingiu os mais elevados patamares. Já não podemos mais ficar em frente de nossa casa, ir à esquina comprar algo, ou passear em praça pública que somos vítimas em potencial da bandidagem. E se não tivermos nada para pagar o pedágio a repressão é maior e mais violenta. Por conta disso, o que ouvimos, vemos e lemos nos jornais todos os dias é o derramamento de sangue. Assassinatos, mortes violentas que não poupam nem os militares. Execuções, assaltos com reféns, chacinas, mortes, mortes e mais mortes...  
A violência hoje em dia tem público cativo, dá audiência, têm programas especializados em horário nobre, cadernos etc. e no meio disso tudo tem sempre alguém quer saber de tudo, dos bastidores, detalhes, e se possível até investigar. Todo esse espetáculo da vida real é proporcionado pelas plataformas digitais disponíveis, como as redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas. Mesmo que não queiramos saber, somos tentados por membros de grupos dos quais fazemos parte que fazem circular informações dessa natureza em tempo real. E quando aquela musiquinha toca ou o aparelho vibra é a informação de que chegaram mensagens novas. Difícil não abrir, e, assim, ao entrarmos em contato com elas também fazemos parte da midiatização.  
Com a banalização da violência e a ânsia de dar um furo (como um foca em início de carreira) de midiatizar a informação e com a febre das selfs é comum presenciarmos pessoas mais preocupadas em registrar e divulgar o fato a ajudar a pessoa tombada ao chão. É uma teia, todos querem ser o primeiro a divulgar e os demais querem ser informados sobre a novidade e poder comentar.

Quanto à violência, os homicídios e à insegurança no empurra-empurra de competências nos resta a condição de protagonista como na canção “E agora, José”? Já que não temos para onde fugir, o jeito é cumprir a sentença condenatória que nos imputou prisão domiciliar; mesmo sem termos cometido crime algum. Usufruir o direito, até então sagrado, de ir e vir se tornou uma regalia. Em casa não estamos imunes, paliativamente menos expostos. Até quando? 

terça-feira, 18 de abril de 2017

CRÔNICA_DA_SEMANA_18_04_2017_THO HAGAGÊ

Cada buraco no seu quadrado


Aqui na Amazônia as estações climáticas se dividem em duas: uma que chove mais e a outra que chove menos, sendo que praticamente todo dia chove o dia quase todo, a qualquer hora. Fenômenos da natureza têm dessas coisas que pouco podemos fazer ou contestar. Ela despenca do céu à vontade como as águas que jorram das mangueiras dos carros pipas durante operações anti-incêndios.
Depois que o céu para de chorar é possível perceber os impactos, principalmente nas cidades, expondo facilmente as fragilidades estruturais como sistemas de esgoto, pavimentação asfáltica e drenagem. Mas são nas vias que surgem os personagens indesejáveis para muitos e adorado por poucos que sabem tirar proveito dos buracos.
Na cidadela Esquecida tem uma rua chamada Lamentos, que cruza a cidade de uma ponta a outra, e bem no meio, próximo à esquina com a passagem Descaso tem um cemitério, e na frente reside um buraco muito resiliente. É bem verdade que ele é um pouco a mais que os outros infindáveis numericamente existentes. O pessoal da prefeitura até entope, paliativamente, mas toda vez que chove e com o intenso vai e vem de veículos ele é aberto.
- Eu adoro ficar assim: aberto, tomando banho de sol durante o dia, e ainda posso tirar sarro do meu amigo buraco Cova, que fica ali, do lado de dentro. Só vê o movimento de pessoas quando tem enterro ou no Dia de Finados, quando lhe dão muito trabalho. Comigo não, a coisa é diferente. Quem dá trabalho sou eu!
- Bom dia, amigo Buraco Rua.
- Bom dia, doutor Cova.
- Aliás, por que doutor?
- Porque você é muito formal. Até para serem enterrados em você tem ritual. Engraçado, não faz tanto tempo que você foi entupido, e já está na ativa. Apesar de tudo, eu quero mesmo é falar sobre nossos trabalhos, importâncias e contribuições sociais.
- Verdade, amigo Rua. Sabes de uma coisa, eu estou convencido de que sou o mais importante para a sociedade, de que meu trabalho é que contribui incisivamente para o bem-estar das pessoas.
- O que fez você pensar assim?
- Pensa bem, com exceção das pessoas que são cremadas, que, aliás, são poucas, as demais são enterradas em mim. Eu fico ali parado, assistindo as pessoas se despedindo de quem morreu e logo em seguida sou fechado, claro, por pouco tempo, é bem verdade. Como tem morrido gente nos últimos tempos. Parece até que estamos em guerra. É um abre e fecha danado. Além disso, quem se deita em mim, fica em paz, descansa. Mas me conta, e você?
- Descordo plenamente da sua opinião. Quem é mais importante sou eu. Eu até promovo a riqueza de quem se especializou em cuidar de mim nas cidades e até no campo, em alguns casos, ainda lhe ajudo, Cova. Pois como sou a maioria nas ruas e estradas desse país, muitos até tentam desviar de mim, mas acabam se acidentando e indo parar dentro de você. Se os governantes cuidam para que eu fique mais tempo aberto é porque sou importante.
- Muita presunção de sua parte. Sei que existem muitos outros irmãos buracos importantes nesse país e que fazem sua parte com grande primor. Veja por exemplo o imenso buraco abertos na dívida pública!
- Estás enganado. As pessoas e fatos importantes dão IBOP, são falados, comentados pela opinião pública e na imprensa, ou não tens assistido aos telejornais? Não faz muitos dias que fui matéria até no Fantástico. Quase que peço uma música.
- Está chegando mais uma pessoa para ser enterrada. Agora tenho que ir cumprir minha missão. Depois nos falamos. 
Agora eu vou tomar meu banho de sol, afinal, daqui a pouco vem a chuva e eu vou ficar cheio d’água ou submerso. Se bem que assim é melhor, ninguém me vê e não poderá desviar. Como é bom ser buraco no Brasil. Quando eu crescer e me tornar presidente vou colocar como slogan de meu governo: “O futuro começa aqui”!

Por Haroldo Gomes 

segunda-feira, 20 de março de 2017

CRÔNICA DA SEMANA_20_03_2017_THO HG

Funk moribundo das carapanãs resilientes
Eu bem que poderia começar esta narrativa de outra forma. Mas a tentação de escrever fazendo analogias é maior, às vezes fica mais divertido ou mesmo lúdico, o que leva o leitor até o fim para ver o desfecho. Essa é a intenção! Então resolvi me aventurar em falar sobre algo de que não tenho conhecimento técnico. Mas a vida requer iniciativas, ações; caso contrário, tudo fica linear como as novelas da atualidade em que o fim é previsível. Uma hora tudo cansa. Essa não a intenção deste texto. Então vá adiante e leia o próximo parágrafo!
Eu e minha esposa mudamos para a nova casa recentemente, mas algo não mudou: a presença incômoda e constante das carapanãs. Mês a pós mês sempre repetindo o ritual de colocar inseticidas a mais no carrinho de supermercado. E toda noite o roteiro é o mesmo: fechar a casa e colocar o veneno e dar alguns minutos do lado de fora para só depois voltarmos. De início funcionou. Mas as carapanãs se adaptam ao veneno e continuam vivinhas. Depois ainda zombam da gente dando aqueles voos rasantes próximos aos nossos ouvidos produzindo aquele som zum, zum, zum, justamente quando queremos dormir, como quem diz: “eu estou aqui e só vou me retirar depois que jantar teu sangue”.
Percebi, então, que era preciso mudar de tática, afinal, o período chuvoso está aí e é a época em que as carapanãs mais se proliferam, parecendo político em época de campanhas eleitorais, quando estão em toda parte; ação contrária às carapanãs que não somem por quatro anos. E toda noite é aquele tormento. Sempre que passo em frente a algum camelô fico olhando aquelas raquetes que torram insetos, como as carapanãs, e me bate o desejo de compara uma, mas como é produto importado tenho resistido em adquirir uma.
Vendo minha aflição noturna e as tentativas em vão de eliminar as carapanãs minha esposa me preparou uma surpresa, mas não sem antes me torturar também. Na semana passada, ao chegar para o almoço, ela me disse: “quando você voltar da faculdade tem uma surpresa para você”. E eu, conta logo! Mas ela firmemente relutou em me dizer. No retorno, durante a viagem, me preparei como um adolescente ávido para o primeiro encontro com a amada. Quando cheguei, procurei logo retomar o assunto. Então, o que é a novidade? Sem titubear, para minha surpresa, me deu uma raquete elétrica já carregada. A emoção me tomou conta e foi só partir para o ataque. Segui pelos cômodos da casa como um jogador de tênis no saibro de Roland Garros, e ela, me seguindo de perto, morrendo de rir da minha felicidade excessiva executando meus saques indefensáveis às carapanãs. Estalos para lá, estalo para cá. E a partida seguiu na primeira noite até que a bateria descarregou completamente. A satisfação não poderia ser maior quando voltei os olhos para trás e vi centenas delas mortas e outras tantas tostadinhas entre as lâminas elétricas da raquete. Imaginei, ganhei a partida!
A título de curiosidade, Carapanã é um nome cunhado do dialeto indígena (tupi) conhecido assim na nossa região, todavia, nas demais regiões do país o inseto recebe outras denominações como muriçoca, pernilongo, sovela e mosquito prego. O ponto de convergência entre suas peripécias é quanto à forma de se alimentar, que é o nosso sangue.
Se tem um inseto resiliente neste mundo ele é a carapanã. A gente mata uma e surgem centenas. Pelo jeito aqui, em casa, estamos longe do fim da partida em que aponte para nossa vitória. Por enquanto a novidade é que preciso devolve gentiliza e adquirir uma raquete para exercitarmos o jogo de eliminação de carapanãs juntos. Afinal de contas, de tanto me tirar sarro, agora é ela quem vive como uma tenista no auge da carreira desferindo sua técnica nas carapanãs. Somos apenas dois frente ao exército de carapanãs.
O que nos serve de alento e motiva a resistir é saber que a tecnologia está aí para nos ajudar a termos um pouco mais de poder de reação, mesmo sabendo que elas são brasileiras e não vão desistem nunca. Se elas querem nosso sangue, tomarão nosso sangue só no fim, só assim. Assim, seguimos no ritmo do zum, zum, zum, perseverantes no enfrentamento à base das raquetas. 

sábado, 14 de janeiro de 2017

CRÔNICA DA SEMANA_14_01_2017_THO HG

O ritual emblemático da passagem de ano

Se tem uma coisa lúdica nesse mundo, ela se chama a passagem de um ano para o outro. Ninguém vê e nem pode tocar, mas esperamos como se fosse um portal que se abre e nos leva do antigo mundo para o novo, com a esperança de que ao passar por ele tudo vai ser diferente. Mas para isso tem um ritual imprescindível, como fazermos contagem regressiva, soltar fogos, pular sete ondas na praia, estar vestido de branco e quando chega o ápice, o momento zero, à meia-noite em ponto, queremos logo ser a primeira pessoa a abrir os braços e desejar feliz ano novo a quem gostamos. Pelo menos comigo sempre foi assim. E com você?
A cada novo ano, logo no início, procuramos elaborar planos de como fazer para ser diferente no final. E quando o momento se aproxima percebemos que ficou quase tudo para cima, para a última hora e os atropelos são invitáveis. O do ano passado para este não foi diferente. Chegamos ao local desejado para ficarmos juntos em família já quase à noite. E corre pra lá, e corre pra cá, mas no fim deu certo. Como sempre deu! E no meio disso tudo não tive como não lembrar de quando era criança, quando meus pais faziam exatamente o mesmo ritual, e eu querendo ficar acordado para saber como era a tal mudança de um ano para o outro que todos os adultos tanto falavam.
Entre este e outros devaneios, lembrei-me também de um gibi da Turma da Mônica, em que a personagem Chico Bento, um caipira juvenil tinha essa mesma curiosidade de ver como era a mudança de um ano para o outro. Como disse e repito, é lúdico por demais. Por instantes me identifiquei com a personagem, que na trama dos quadrinhos tinha essa mesma curiosidade. Porém, à medida que cresceu ficou acordado para ver como era e não gostou do que viu: da tamanha loucura que é as pessoas pulando, bebendo, gritando, se abraçando efusivamente e extravasando os sentimentos, desejando tudo bom as pessoas que queremos bem e a nós mesmo, claro.
Muitos extrapolam e amanhecem o dia e o ano começa com os olhos vermelhos como se aquele fosse o primeiro e último dia do ano. Mas a maioria vai deitar um pouco mais tarde e aproveita o dia seguinte, que é também o Dia Mundial da Paz, e continuar degustando o que sobrou da noite do ano anterior. Para muitos este é sem dúvidas o melhor da festa, uma vez que já passou toda aquela ansiedade e já estamos em um novo ano.
O ritual da vida cotidiana é cíclico e a roda não pode parar. Prova disso que no dia posterior a vida volta ao seu ritmo normal de atividades e segue seu curso, com as mazelas políticas, econômicas etc. Mas temos também aquela capacidade de superação amparada nas alegrias das coisas boas que nos causam felicidades, como conseguir aquele trabalho melhor, estudar e, claro, os sonhos, de realizarmos e darmos aquela guinada na vida.
Uma coisa que não devemos fazer, é agir como o caipira Chico Bento, que ao ver tudo aquilo que lhe parecia estranho, deu meia volta, e retornou para a cama, e deixarmos de lada cada momento único, com ou sem explicações é o melhor, haja vista que passou, não volta mais.
Um brinde ao ano de 2017 que já começou, com ou sem encantos a vida real não tem regravações e como tal não vai parar para lamentarmos. Então, vamos pra frente que para trás não dá mais...

sábado, 7 de janeiro de 2017

REPORTAGEM_DA_SEMANA_07_01_2017_THO HG

Aos 83 anos, hoje o povo te abraça 
mais forte, Santa Izabel do Pará
Complexo esportivo: principal cartão postal da cidade, na entrada, sentido de quem vem de Belém.
Uma vasta programação artístico-cultural marca durante todo o dia de hoje (7) as comemorações de aniversário dos 83 anos de Santa Izabel do Pará. Localizada às margens da BR 316, o município é conhecido na região e até fora do país como a cidade dos igarapés, além da ampla vocação para o turismo ecológico e também pelas iguarias feitas a partir da farinha de tapioca. Seu povo mira o futuro sem abrir mão dos  valores socioculturais.
O clima de festa por parte dos cidadãos contrasta com a missão que seus gestores terão pela frente, que é superar ou mesmo minimizar problemas estruturais como saúde, segurança e geração de emprego, fazer com que os munícipes não se desloquem para outros municípios em busca de oportunidades.
Seu Itamar Fernandes Ribeiro, memorialista, escritor e ex-prefeito, no alto de seus 77 anos, não hesita em afirmar que “hoje não há muito o que comemorar. Houve um tempo que sim; mas hoje não! A cidade parou no tempo”. Ainda segundo ele, “nos últimos dez anos que o município começou a dar os primeiros passos para deixar de ser um centro agrícola, uma vez que o comércio vem procurando acompanhar e atender as necessidades do izabelense e de pessoas de outros municípios que aqui vem fazer compras”.
Esse misto de resgate da memória, preservação e desenvolvimento futurístico se funde com os valores culturais, sociais e familiares que se encaixa perfeitamente a um projeto estético chamado “izabelismo”, desenvolvido pelo jornalista e escritor Luiz Augusto Paixão (31) com um grupo de amigos. Para Augusto, aos 83 anos, Santa Izabel, tem muito o que comemorar, sim. “Mesmo o nosso povo não tendo muitas oportunidades aqui, a maioria vai e volta. Essa é uma marca que vem desde o início da sua história, mesmo com tantas adversidades, quem vai, em geral retorna, por ser o melhor lugar para se viver. Essa é a nossa grande marca”.

Convergência
“Uma prova do que falei anteriormente sobre a falta de oportunidades, com relação à geração de emprego e renda pode ser comprovada a cada quatro anos, como agora, você não pode nem circular pelos corredores da prefeitura e secretarias, toda cheias de pessoas em busca de uma ocupação, e esse local ainda é a Prefeitura”, exemplifica seu Itamar. O jornalista Augusto completa, “essa é uma marca das elites dominantes que se revezam no poder há décadas e utilizam este artificio com fins eleitoreiros. Para acabar com isso, o remédio é o exercício pleno da cidadania e a educação para tirar a cidade desse atraso e colocá-la no caminho do desenvolvimento pleno”. Porém, seu Itamar enxerga pontos positivos e avanços, a exemplo das culturas hortifrutigranjeiras, que juntas colocam a cidade como uma das mais bem assistidas, chegando, inclusive, a exportar seus produtos para outros estados, além de gerarem emprego e renda.
Foto 1, seu Itamar Fernandes; ao lado, na foto 2, o jornalista e escritor Luiz Augusto Paixão.
O que os define izabelense hoje?
“O senso de humor do izabelense como antídoto para superarmos as adversidades da vida cotidiana”, Luiz Augusto Paixão.
“Sou suspeito em falar. Para mim é o melhor lugar do Mundo. Digo isso porque o povo me deu a oportunidade de ser seu representante. Coisa que jamais havia imaginado. E por isso sou muito grato a Santa Izabel e ao seu povo”, Itamar Fernandes Ribeiro. 

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

CRÔNICA DA SEMANA_20_12_2016_THO HG

Entre bulas e receitas de bolo

Pela crescente onda de protestos e críticas direcionadas à classe política (ou a grande parte dela) que ocorre intensamente país afora tem como pano de fundo o não cumprimento do Artigo 5º da Constituição Federal. O qual diz “que todos sem distinção somos iguais perante a lei”. Um dos questionamentos se fundamenta pela distinção que há entre o poder exercido pelo povo e o exercido pelas autoridades constituídas. No tocante aos políticos, os do Legislativo têm a prerrogativa de criar leis e definir seus próprios salários, como também do Executivo e do Judiciário. É uma prática viciosa e perigosa semelhante ao enredo de novela das seis, em que o diretor coloca um bando de macacos para cuidar do bananal. Uma hora as bananas acabam. E quando isso ocorre, sobram apenas cascas e prejuízo. Como agora. E agora?
Não existe uma regra geral, uma vez que há exceções. Mesmo que raras. O que não é o caso de um antigo amigo; não sei se ainda é, pois ao entrar para a política ele me veio com essa pérola: “amigo, democracia só existe nas urnas”. Em partes ele tem razão. De fato, nossa frágil democracia funciona como bula de remédios. Como aquelas que vêm com o modo de usar escrito com letrinhas minúsculas (quase um teste para quem tem problemas na visão) na maioria das vezes não as lemos. Exceto quando nos automedicamos. Em geral, elas dizem uma coisa; e os médicos outra. Por analogia é como a gente ter que votar e escolher nossos representantes com uma intenção baseada em suas promessas; uma vez eleitos eles assumem outra forma de usar as leis e o poder em benefício próprio. E aí chegamos nesta queda de braço: mandamos leis de iniciativa popular para eles, e eles as desfiguram. Isso quando aprovam, como ocorreram com as Leis da Ficha Limpa e Anticorrupção.  
O escritor Rubem Alves diz que “a poesia é a ação do poeta na maneira de ver o mundo de forma diferente das demais pessoas. A beleza dessa ação chama-se metáfora”. Há sempre uma para cada situação. Claro, depende muito do poeta. Assim sendo, fica fácil de perceber que milhares de novos poetas estão surgindo e indo às ruas para contestar o país que é visto de forma dicotômica; bem diferente da que nossos representantes veem. Não há beleza alguma na miséria, na falta de médicos e remédios, de emprego, de renda... Para desnivelar ainda mais a balança, do lado do trabalhador, o Governo Federal congelou os investimentos por até 20 anos em setores vitais como saúde e educação. E assim, nesse continuísmo sem fim, nossos políticos seguem firmes a regra da receita de bolo: quando o orçamento mingua e falta fermento para aumentar suas fatias do bolo, a regra é aumentar a contribuição do trabalhador. Agora, até os idosos entraram na lista desses ingredientes. Com idade mínima de 65 anos para se aposentar vai precisar de muita sorte para usufruir deste benefício. 
Sem muito poder de reação, de nossa parte, o país sucumbe com a pandemia econômica que atinge a União, estados e municípios. Imersos em dívidas, quebrados, falidos, por teimosia de seus gestores que insistem na mesma receita: gastar mais do que arrecadam. Porém, na outra ponta da situação vemos a mesma prática viciosa há décadas. Gastança com assessores especiais, nepotismo, desvio de finalidades do dinheiro público, corrupção, sem falar nos aumentos desnivelados de seus salários e mordomias, aliás, muitas mordomias. Ai, chegou a conta, e como habitual, empurrada para o trabalhador. Ao longo do tempo o brasileiro vem aprendendo que o prato pode ser indigesto, aqui ou em qualquer lugar, mas o sabor, não. Para que isso ocorra, basta trocar de cozinheiro ou de restaurante. Nas ruas, nas redes sociais, nas igrejas e nas universidades ecoam vozes que querem de fato poder exercer o seu direito, que é trocar o cozinheiro-chefe, e assim podermos sentir o sabor dos direitos respeitados; do contrário, em breve não haverá ingredientes, e voltaremos à barbárie, como já acontece em muitos países latinos.
A língua é a beleza do mundo, capaz de aguçar nossa imaginação, de tingir pictoricamente um quadro denunciando as traquinagens dos que dela por meio de seus discursos vazios e sem fundamentos tentam furtar sua beleza. Não é lúdico que muitos políticos – sem generalidades – pensem o mundo pelo olhar de uma criança, em que todos os absurdos são permitidos. 
Não somos mais os mesmos. O país não é mais aquela creche de tempo integral em que os pais retornam ao fim do dia só para pegar os filhos sem se importarem com o que eles fizeram durante o dia. Por que, neste caso, o problema é da escola. Na nossa democracia é de todos. E dela temos que cuidar mesmo que não gostemos de política, é por meio dela que todas as decisões são tomadas e de alguma forma elas afetam o agora, o amanhã. Leiamos as bulas e ousemos participar adicionando outros ingredientes à receita, antes que o bolo simplesmente de fato acabe.

Por Haroldo Gomes

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

CRÔNICA DA SEMANA_15_12_2016_THO HG

Ontem fui à livraria


Algo de mais em ir a uma livraria? Depende! A resposta é relativa. Talvez seja porque não encontramos livros e livrarias em toda parte e muito menos um grande número de títulos como a que encontrei ontem. Fato é que entrei nessa viagem por acaso. Uma possível explicação seja o clima de fim de ano. Estava eu apenas acompanhando a família num passeio pela capital, e em dado momento minha sobrinha teimou em querer ganhar de presente um livro. Quando me dei conta estava em meio a eles, folheando-os com a mesma sensação que uma criança tem quando ganha um brinquedo.
Entre Nélidas, Ferreiras, Maxes Martins, Rubens Alves, Pessoas, Clarices, Veríssimos, e tantas outras obras de cânones da literatura brasileira minha decepção só não foi maior porque eles não tinham o preço expresso, como é comum nas livrarias que havia visitado até então. Quando indaguei ao vendedor, fui informado que era só passar o código de barras numa maquininha leitora próximo ao caixa. Por estar descapitalizado naquele momento, foi até melhor não saber mesmo.
Do momento da concepção à distribuição há um longo caminho que os livros percorrem até chegarem em nossas mãos. Acho que é por isso que não temos lá aquela habilidade com a leitura e com os livros. Além de caros, encontrar boas livrarias em nosso estado é como procurar agulhas no palheiro. Mas naquele momento único, em meio à procura do que nem sabia o que procurava me vieram alguns devaneios:
Um deles foi me perguntar por que meu livro ainda não estava ali, no meio daquelas obras? É, tenho um livro de crônicas revisado, diagramado, pronto para a impressão: é um apanhado de escritos ao longo de vinte anos em que me aventuro a escrever. Mas antes disso tem aquela barreira que é o lado financeiro; na outra ponta da situação tem ainda o mercado com suas burocracias que freia nossas intenções de materializar tais desejos. Pensamentos vãs, e eu, ali, encantado, pegando cada um deles como se pega um cristal fino com o receio quebrá-lo.
Naquele momento ímpar me veio também outras memórias, como o convite para fazer parte de Academia de Letras. E eu convicto com o propósito relutante de sempre, e reafirmo: sem obra, não existe escritor. Salvo engano após morte, que é quando surgem interesses e a coisa anda, enquanto o autor perece no túmulo. Todo grupo social tem suas vaidades veladas, e isso me fez lembrar do saudoso Ferreira Gullar que também resistiu muito até fazer parte da Academia Brasileira de Letras. Ele devia ter os seus motivos, embora tenha escrito e publicado suas obras ao longo de sua vida. Mas, enfim, muita gente prefere o mérito sem ter algo que o justifique.
Depois de algumas horas percorrendo prateleiras, livros e mais livros, fui convidado a acordar com a sutil dica de que era hora de irmos embora. Tudo que é bom tem data de validade; a minha acabara ali. Ao menos por alguns instantes pude sonhar, reviver o encantamento de respirar livros, e descobrir nova opção quando puder adquirir alguns títulos para o meu acervo, ou como presente.
Imagino que você que leu até aqui certamente deve estar se perguntando: se eu não tinha dinheiro, como minha sobrinha saiu da livraria com o presente desejado? Bem, uma coisa posso adiantar: não furtei o livro, porém, informo-lhe que isso é assunto para outra crônica. Afinal, quem tem boca vai à livraria, e quem tem cartão pode debitar por dezenas de parcelas a perder de vista. Só não podemos perder o espírito natalino nessa época do ano e deixar um parente sem presente!

Por Haroldo Gomes